domingo, 15 de outubro de 2023

Supercopa do Nordeste 2024: 30 anos de Orgulho, Identidade & Resistência

Meio a dimensão continental, o Brasil leva consigo diversos "países" que formam suas próprias culturas, identidades, trejeitos, políticas, visões e tantos outros aspectos que dão a um povo o seu ar de pertencimento e união. No país, nada é mais antigo, forte e genuíno que o 'Povo Nordestino', uma categoria social que explana passado, presente e futuro repleto de detalhes positivos e negativos, vindo do próprio povo e de povos alheios, mas que no fim, gera um extrato de resistência e felicidade pelo simples fato de nascer em um dos 9 estados arretados.

O futebol é um dos maiores termômetros sociais do Brasil e nele não poderia ser diferente. A Copa do Nordeste é quase a representação do que podemos tratar como Liga Nacional do Nordeste-Brasileiro, com um valor interno que molda nossos status, rivalidades e sensações. O projeto da Lampions também traz resquícios da resistência e de luta para existir. Nos anos 80, Luciano Bivar, então dirigente do Sport, junto a Federação Pernambucana, batalhou pela volta de competições inter-regionais ou regionais meio ao período de confusões na CBD/CBF, com calendários nacionais bagunçados, influência militar no Campeonato Brasileiro e falta de planejamento para nacionalização ideal de todos os níveis do futebol. Tudo isso já eram amostras de como o futebol nordestino sofria com o esquecimento por parte dos que comandavam o futebol brasileiro.

O vergonhoso Campeonato Brasileiro de 1986 foi extremo e "ajudou" a gerar a bagunça extra-esportiva de 1987 e consequentemente a metodologia da verdadeira elite nacional, sem ligação estadual, a partir de 1988. Com isso, alguns estados do Nordeste que já não contavam com ajuda dos organizadores nacionais ficaram ainda mais para trás. Surgiu a Copa do Brasil em 1989, com um intuito prático similar a Taça Brasil (1959-1968), onde todos os estados garantiam disputas nacionais de elite, mas não era suficiente. Os clubes e federações norte-nordestinas acumulavam décadas de disputas interestaduais para tentar a formação de uma disputa das regiões. Campeões do Nordeste (1939), Copa Cidade de Natal (1946), Torneio dos Campeões do Nordeste (1948), Torneio dos Campeões do Norte e Nordeste (1952) e o Torneio Hexagonal do Norte-Nordeste (1967) são exemplos dessa tese, mas foi em 1994 que os embriões geraram frutos e o Brasil passou a ter no Nordeste, uma nova ordem em seu calendário nacional.

Em 1994, a Federação Pernambucana - que já vinha tentando formação de Nordestão há uma década - junto ao Governo de Alagoas, firmou uma parceria para a organização da Taça Governador Geraldo Bulhões, a “1ª Copa do Nordeste”, sendo essa a finalidade da competição desde o seu lançamento. O Nordestão daquele ano foi organizado também pela Federação Alagoana e todo o certame foi disputada em Alagoas. Seu sucesso rendeu a chancela da CBF e colaborou para a volta em 1997 e até 1999, o campeão disputava a Copa Conmebol, precursora da Copa Sudamericana. Entre 2000 e 2002, seu vencedor, vice e terceiro colocado ganhava a vaga para a Copa dos Campeões, disputando o título nacional contra os melhores dos demais regionais. Em 2003, o futebol brasileiro passou por uma reformulação de calendário, com a Série A sendo disputada em pontos corridos, fim da Copa dos Campeões e inicio de desprezo da CBF com o Nordestão, que teve ali o seu último ano de disputa.

1994: CRB x Sport, final da primeira Copa do Nordeste

Em todos anos de disputa, o Nordestão foi de extremo sucesso técnico, popular, publicitário e financeiro, ganhando força e relevância fora da região, mas nem mesmo o fator de crescimento do futebol brasileiro oriundo da competição fizeram os cartolas nacionais priorizarem a continuidade. Com ações judiciais e negociações entre clubes, federações e a CBF, o certame volta em 2010, mas é em 2013 que a fortaleza nordestina se opõe, com a garantia de pelo menos 10 temporadas de disputa até 2022. Com alguns anos premiando o campeão com vaga na Sudamericana, pra final do título amistoso da Taça Asa Branca e com a vaga direta à 3ª fase da Copa do Brasil. Como nos primeiros anos, o sucesso e relevância nacional é evidenciado, desta vez num mundo mais tecnológico e globalizado, com a internet promovendo e incluindo o público não nordestino na roda de conversa. A CBF não valorizar a Copa do Nordeste agora seria quase que um crime na visão de todo o pais, porém em 2023, eis a confirmação e de vez a competição é firmada no calendário nacional.

Em 2024 completará 30 anos da Copa do Nordeste. Não necessariamente 30 anos de resistência, pois a luta existe antes mesmo do profissionalismo do futebol brasileiro, mas são 3 décadas de uma afirmação de como a competição é grande e necessária para o Brasil. São muitas formas de comemorar e uma das ideias seria a disputa da Supercopa do Nordeste, uma copa de tiro curto reunindo os 9 campeões do Nordestão, dando o título de supercampeão regional.

Em toda história, existiram várias competições reunindo campeões históricos para celebrar datas ou gerar disputa ainda mais elevada. Exemplos:

Copa dos Campeões do Norte de 1966: Os clubes campeões da Taça Norte formularam a taça em formato de campeonato, que reuniu os campeões do inter-regional anexo à Taça Brasil. Bahia, Fortaleza, Sport, Ceará e Náutico jogaram entre si em ida e volta e o líder tornou-se campeão, o Náutico.
Supercopa de Campeões Intercontinentais (1968-1969): UEFA e Conmebol organizaram um certame com a representação de todos os campeões da Copa Intercontinental.
Copa dos Campeões da Copa Brasil de 1978: Meio aos planejamentos de estender o calendário nacional, de criar uma disputa de segundo escalão e de render mais finanças, a CBD criou uma supercopa reunindo todos os campeões do Brasileirão, oficialmente chamado então de 'Copa Brasil'. O Atlético-MG levou.
Mundialito de 1980: Para celebrar os 50 anos da Copa do Mundo, a Associação Uruguaia de Futebol organizou a Copa de Ouro dos Campeões Mundiais, um campeonato reunindo todos os campeões mundiais. Os uruguaios sagraram-se campeões.
Torneio dos Campeões da CBF de 1982: Após o fim do Brasileirão, a CBF criou um certame nacional pré-Copa do Mundo para dar continuidade as disputas nacionais. Contou com os clubes campeões e vices históricos do Brasileirão, Taça Brasil, Robertão e do Torneio Rio-São Paulo, além dos não campeões e vices com mais participações na Série A.
Supercopa Libertadores (1988-1997): Em uma das múltiplas formas da Conmebol planejar certames de segundo escalão continental, a entidade realizou a disputa da Supercopa João Havelange, que reunia todos os campeões máximos da América do Sul, ou seja, da Libertadores desde 1960 e do Sul-Americano de 1948.
Copa Master da Supercopa (1992-1995): Uma espécie de supercopa-supercopa. Reunindo campeões de uma competição que reunia competições de outro certame. A Conmebol coligia todos os campeões da Supercopa Libertadores da história.
Copa dos Clubes Brasileiros Campeões Mundiais (1995-1997): Organizada pela rede televisiva SBT e pela CBF, foi um torneio nacional que reuniu todos os clubes brasileiros campeões da Copa Intercontinental.
Copa Master da CONMEBOL (1996): A entidade máxima sul-americana reuniu todos os campeões da Copa Conmebol para disputarem entre si uma supercopa entre os campeões da competição de segundo escalão.

Históricos mundiais, continentais, nacionais e até mesmo nordestinos sobre Supercopas não faltam. São 9 campeões e possibilidades para criar a competição com tiro curto. Vamos a um exemplo de como poderia ser disputada a Supercopa do Nordeste em formato e critérios:

Campeões da Copa do Nordeste:

Vitória: 4 (1997, 1999, 2003 e 2010)
Bahia: 4 (2001, 2002, 2017 e 2021)
Sport Recife: 3 (1994, 2000 e 2014)
Ceará: 3 (2015, 2020 e 2023)
Fortaleza: 2 (2019 e 2022)
América-RN: 1 (1998)
Campinense: 1 (2013)
Santa Cruz: 1 (2016)
Sampaio Corrêa: 1 (2018)

Com 9 clubes, a Supercopa do Nordeste seria disputada em mata-mata, com distribuição de chaveamento olímpico. Em ordem, os maiores campeões do Nordestão num ranking histórico:

1) Bahia: 4 títulos e 5 vices
2) Vitória: 4 títulos e 3 vices
3) Sport Recife: 3 títulos e 4 vices
4) Ceará: 3 títulos e 2 vices
5) Fortaleza: 2 títulos
6) Campinense: 1 titulo e 1 vice
7) Santa Cruz: 1 título, 1x terceira colocação e 3x quarta colocação
8) América-RN: 1 título, 1x terceira colocação e 1x quarta colocação
9) Sampaio Corrêa: 1 título

Oitavas de finais:
1: América-RN x Sampaio Corrêa

Quartas de finais:
1: Bahia x vencedor das oitavas 1
2: Vitória x Santa Cruz
3: Sport Recife x Campinense
4: Ceará x Fortaleza

Semifinais:
1: vencedor das quartas 1 x vencedor das quartas 2
2: vencedor das quartas 3 x vencedor das quartas 4

Final:
vencedor da semifinal 1 x vencedor da semifinal 2


Muitos outros detalhes seriam trabalhos, de forma logística, comercial e esportiva, como as sedes dos jogos, os estádios utilizados, a exposição das taças dos campeões e muito mais. Não faltam pessoas e personagem em vida e em memória para serem homenageados e grandes ícones para colaborarem culturalmente e esportivamente com o evento. Seria um grande título e um carimbo para festejar o valor e a soberania da terra que embeleza o esporte nacional. A imponência da competição, a qual representa uma resistência, merece e precisa de uma grande comemoração.

É essencial que fique claro que essa seria uma competição oficial, especial, porém extraordinária. A definição do campeão regional do Nordeste viria da Copa do Nordeste 2024 e não da Supercopa, como por exemplo o cenário de Minas Gerais em 2002, onde o Cruzeiro sagrou-se campeão do Super-Campeonato Mineiro, mas o campeão do estado de MG daquele ano foi a Caldense, pelo título estadual.

domingo, 3 de setembro de 2023

Década de 60: métrica ou exceção?

O debate sobre o G7 do Nordeste é um dos mais quentes do lado setentrional do Brasil. Nos últimos anos o futebol cearense cresceu ao ponto de fazer que dúvidas e até mesmo certezas fossem formuladas na mente de muitos intelectuais e torcedores comuns, em especial com o Fortaleza ultrapassando alguns clubes que antes eram vistos acima no senso comum. O Náutico é um dos elementos mais falados, com uma ampla valorização das marcas do clube nos anos 60 pelos alvirrubros e uma desvalorização de rivais ao falar do extrato do clube antes e depois da década de 60. Observando os debates, me reparei o quanto a fonte de forças vem da era de ouro do clube, que durou 6 anos. Mas, para o Náutico, de seus 122 anos de vida, 118 de vida futebolística e quase 100 de profissionalização do futebol, os anos 60 deve ser tão tratado como uma métrica para o seu peso histórico institucional?

A tradição e o peso de um clube é baseado em conquistas, contextos, marcas, pioneirismos, relevâncias com expansão de geografias, longevidade, popularidade, rivalidade e todos os demais aspectos, grandes, médios e pequenos, além de que não podemos esquecer que aspectos negativos também entram na conversa, pois o futebol é uma balança de dois extremos, sendo rebaixamentos, secas, coadjuvância, impopularidade, jejuns, falta de conquistas e muito mais são características que podem ser tão pesadas quanto títulos, todavia do extremo contrário. Quando se fala do Náutico e de qualquer clube, é preciso medir seu tamanho e principalmente comparado a outras instituições num modo geral, com contextos e pesos, afinal, se é pra falar de "maior", deve-se considerar a história completa, pois "melhor" é o contemporâneo, "maior" é o ontem e o hoje.

Foto: Arquivo/Jornal do Commercio

O futebol é atuado no clube desde 1905 e na levada dos efeitos positivos da Federação Brasileira de Football no país, o clube se profissionalizou na década de 30, com direito ao seu primeiro título pernambucano em 1934. Até a profissionalização, os recifenses viram um cenário onde já existia a tradição e títulos de alguns clubes, como o Santa Cruz que vinha de um tricampeonato, o Torre que acumulava 3 títulos, o América que era uma referência pernambucana além das fronteiras maurícias e o Sport, já sendo o maior campeão há uma década, com 7 troféus no total.

Desse período até antes do ano de 1963, que é onde inicia-se a era onde queremos identificar se é uma métrica ou uma exceção na história do clube, o cenário era de coadjuvância no quadro títulos, pois o Náutico contava com 8 conquistas, contra 19 do Sport e 9 do Santa Cruz. Fora do estado seu nome institucional brilhou com 7 convocações para o Sul-Americano de 1959, onde a Seleção Pernambucana representou o Brasil, contanto também com 10 atletas tricolores e 5 rubro-negros. Outro ponto fora da geografia pernambucana foi quando o timba conquistou um título que ainda não é reconhecido pela CBF como oficial, mas que na época foi bem acompanhado pela mídia do eixo Norte do país, o Torneio dos Campeões do Norte-Nordeste 1952, organizada e bancada pelo próprio clube, que venceu o América-RN na semifinal por 5 a 4 e a Tuna Luso/PA por 5 a 1 na final.

Chegando os anos 60, a década de ouro alvirrubra, é onde se encontra tudo aquilo que o clube mais se orgulha, se inspira e até mesmo mora. Após começar o decenário vendo o maior rival sendo bicampeão, o clube conquista o Campeonato Pernambucano por 6 vezes consecutivas, feito jamais igualado, com direito a 4 finais vencidas sobre o Sport, incluindo um placar de 5 a 1. A sequência fez o timbu ultrapassar o Santa no quadro de títulos, 14 a 9 e diminuindo a vantagem do Sport, 14 a 19. Nacionalmente, das 8 edições da Taça Brasil, a equipe participou de 6, com direito a 4 semifinais e um vice-campeonato, além de vitórias marcantes que forjaram o nome institucional nacionalmente, como diante do Santos de Pelé, academia do Palmeiras, Atlético-MG e Cruzeiro. Pelo Robertão, disputou uma edição, em 1968, sendo o saco de pancadas e lanterna geral, já no Torneio Norte-Nordeste, participou em duas oportunidades, sem brilho em ambas. É essencial lembrar que dentro da Taça Brasil havia a fase inter-regional, uma disputa norte-nordestina que dava um título anexo, a Taça Norte, onde o Náutico sagrou-se tricampeão entre 1965 e 1967, sendo ao lado do Bahia o maior vencedor do certame. Já fora do país, tornou-se o primeiro clube de Pernambuco e segundo do Nordeste a disputar a Libertadores, quando em 1968 foi eliminado na fase de grupos. Outro orgulho importante para os alvirrubros foi a convocação de Nado, o primeiro atleta da região a servir a amarelinha na era aberta.

Logicamente o Náutico não teve os 10 anos de soberania no que se refere de 1961 a 1970, mas ninguém conseguiu tanta relevância, títulos interestaduais, participação em Libertadores e convocação como o clube obtive entre 1963 e 1968. Até ali, já podia ser listado 63 anos de futebol no Náutico e até 1968 tudo aquilo era novo e o sentimento que o torcedor sentia e vivia na ocasião, outros das demais gerações nunca sequer tinham chegado perto de sentir. Vamos para 2024, se passando 56 anos desde o fim da era de ouro e a partir desse ponto devemos analisar o que foi e está sendo o Náutico, se o seu extrato total diz mais sobre o seu auge ou sobre a coadjuvância que perdurou décadas antes de 1963.

O futebol brasileiro passou por várias modificações como modelos de disputa, de administração, impactos da globalização, criação de novas competições, mudanças na sociedade que ditaram outras eras e ritmos e tantos outros fatores que caminharam juntos com o esporte e que estiveram e estão no cotidiano dos clubes. Quando se debate sobre o tamanho do Náutico, se é maior ou menor que clube x, se é digno ser colocado numa prateleira acima ou não, tratam da forma certa quando citam os anos 60? Estão supervalorizando ou subestimando? Já vimos o bloco 1905/1934-1963/1968, agora veremos 1968-2024, para no fim pôr tudo numa balança e definir se no geral a década de 60 é regra ou exceção.

O Brasil é um país de dimensões continentais e além de sua geografia ampla, a cultura do futebol brasileiro tem em cada competição zonal um valor que dita o tamanho do clube. Ter feitos nacionais é o diferencial, mas sucessos estaduais e regionais também emitem a tradição. Bahia e Sport por exemplo, clubes campeões brasileiros, melhor, com 2 conquistas nacionais cada, para manter suas imagens grandiosas no país precisam garantir soberanias em seus estados e se estabelecerem na disputa por títulos regionais, se colocando no topo do ranking dos maiores da Copa do Nordeste. Os dois maiores fora do eixo Sul/Sudeste mesmo com títulos e/ou finais em Taça Brasil, Brasileirão, Copa do Brasil e Copa dos Campeões, não são - na média - clubes de chegadas pelas cabeças de forma constante em todas décadas, portanto, se manter na elite com alguns brilhos um lá outo cá e paralelamente a isso sustentar um reinado indiscutível em seus eixos, como ocorre na BA e em PE, é primordial pro conceito métrica.

O Campeonato Pernambucano teve diversas mudanças de valor com o passar das décadas, mas na enorme massa desse recorte sendo valorizado ao extremo, diferente de como é nos dias atuais. Porém, independente dos pesos, o Náutico repetiu o aspecto entre os 58 anos de futebol antes de 1963, com o clube sofrendo números massacrantes. Enquanto o timbu levou apenas 10 Pernambucanos entre 1969 e 2024, os corais venceram o dobro, foram 20 taças no Arruda e tudo só piora quando são apresentados os números leoninos, que levantaram o troféu em 24 oportunidades. Em 11 décadas, o Náutico foi o maior campeão isolado apenas em uma, exatamente nos anos 60, atrás de Santa Cruz com 4 décadas de domínio e o Sport com 5.

Regionalmente, a Copa do Nordeste é a competição dos nordestinos. Em 2024 teremos a 21ª edição, sendo a 15ª do timbu desde 1994. O clube é único do considerado G7 do Nordeste a nunca ter sido campeão e o agravante é que nunca sequer disputou o título, com sua maior longevidade as 4 semifinais disputadas em 2001, 2002, 2019 e 2022. Diferente do timbu, equipes consideradas de menos tradição como Botafogo-PB, ASA, Fluminense de Feira e Campinense disputaram finais. E pra piorar o cenário, em 2013, 2016 e 2021 o time não conquistou uma das três vagas de Pernambuco, que teve o Salgueiro como terceira força nas três temporadas.

Nacionalmente, das 55 edições do Campeonato Brasileiro, o clube participou 27 vezes da Série A, 23 vezes da Série B e 5 vezes da Série C. Ou seja, tecnicamente é 50% do tempo participando da elite e 50% fora, com o agravante de permanecer na segundona em alguns anos quando era uma divisão considerada o fundo do poço e também na Série C, já sendo calabouço do futebol brasileiro. Em nenhuma das edições da Série A o Náutico conseguiu uma campanha com destaque nacional, tendo seus sucessos internos resumidos em permanências e seu auge com uma 12ª colocação em 2012, classificando-se para a Copa Sudamericana, onde foi eliminado no Clássico dos Clássicos logo na estreia do certame da Conmebol. Considerando o Brasileirão com métricas nacionais, a partir de 1988, sem ligação com os estaduais, com os clubes precisando impor suas forças, totaliza-se 37 anos de disputas, com o Náutico estando 70% do período fora da elite, sendo 11 disputadas na Série A, 21 na Série B e 5 na Série C.

Pela Copa do Brasil, conta-se 28 participações do Náutico em 36 edições e em toda conjuntura desde 1989, o único episódio de sucesso foi a semifinal em 1990, com vitórias sobre o Treze, Ceará e Remo, antes da eliminação contra o Flamengo. Naquele ano, o time contou com o artilheiro da taça, Bizu, com 7 gols. Em 2001 participou da Copa dos Campeões pela liderança da 1ª fase do Nordestão, sendo eliminado logo na fase de grupos por Paysandu e Fluminense.


Nesse período pós-1968, o clube acumulou alguns feitos que servem como tatuagens, positiva e negativamente. Em 2010, a FIFA premiou o Clássico dos Clássicos como uma Rivalidade Clássica, pondo o derby numa categoria onde encontra-se Manchester x Liverpool, Roma x Milan e Celtic x Rangers. Em 2013, o gol do atacante Olivera foi listado para concorrer ao Prêmio Puskas, da FIFA e houve a convocação da sua cria da base, o lateral-esquerdo Douglas Santos, chamado pelo técnico Felipão. Em 2014, o CT Wilson Campos foi um dos centros oficiais da Copa do Mundo. Porém, duros golpes ocorreram também, como a Batalha dos Aflitos, que passou um carimbo de fracasso nacional pro clube; o maior tabu da história de um clube brasileiro em finais contra o rival (53 anos sem títulos contra o Sport nas últimas 10 finais disputadas); anos sem sua identidade, longe dos Aflitos, atuando na Arena Pernambuco; o Estádio dos Aflitos tornou-se um templo atrasado e violência; perda do selo de clube de participação na elite nacional; baixa popularidade, como aponta as pesquisas de diversos veículos desde 2010; baixa média de público; e os episódios de vexames em campo e fora dele nas gestões Melo & Braga.

Particularmente, acho que a década de 60 é mais um desvio que uma regra nessa curva centenária. Nos quesitos popularidade, títulos, protagonismo, constância, relevância na variedade de eras, épocas e modelos e peso político além de suas fronteiras, o Náutico é extremamente mais próximo da coadjuvância e insucesso das épocas pré-1963 e pós-1968 do que metade do que realizou entre 1963 e 1968, pois domínio estadual, títulos ou pelo menos disputas regionais e poder de chegada nacional nunca foram vistas, nem sequer ao menos um desses aspectos. O Pernambucano se tornou essencialmente uma briga entre Sport e Santa Cruz e a Copa do Nordeste que está presente nas décadas de 90, 2000, 2010 e 2020 nunca teve o Náutico como figura finalista. No Brasileirão, o alvirrubro dependeu muito dos estaduais para poder sustentar o selo de elite - ou seja, o Náutico é um clube de raízes estaduais, com as próprias pernas nunca conseguiu ser ao menos um clube regional - mas assim que o torneio passou a ser de fato elitizado nacionalmente, acabou caindo de prateleira, ao ponto de chegar a viver 70% de seu tempo entre as Séries B e C. O time que contava com crias como Nado e Bita, não conseguiu mais revelar atletas que colocassem o time num patamar ao menos de domínio recifense. A popularidade que a era de ouro gerou, ao ponto do número de torcedores crescer até chegar ao "povão", foi se descontruindo com a gangorra da construção de tabus e secas e sucesso dos rivais, com direito a sequência, como anos 70 com o Santa, anos 80, 90 e 2000 com o Sport e anos 2010 com Santa e Sport. 

Outros fatores fora das terras pernambucanas são agravantes. O Náutico não possui nenhum tipo de disputa, rivalidade ou vínculo esportivo com clubes de fora do estado. A falta de disputa por algo relevante regional e nacional fazem o clube ser um mero participante de uma Série A cá, outra lá e de um mero cumpridor de calendário do Nordestão. E pra piorar, quando selou uma rivalidade interestadual, foi por um cenário polêmico na Série C, contra o Paysandu. Usando um exemplo positivo em Pernambuco, temos o Sport, que acumula episódios de rivalidades dentro e/ou fora de campo com Bahia, Vitória, Ceará e Fortaleza no Nordeste e nacionalmente com Flamengo pela exclusividade de um título brasileiro, ao ponto dos cariocas agendar uma reunião com a sua cúpula por achar um problema que seu uniforme estava parecido com o do Sport, o Corinthians por uma final de Copa do Brasil, o Grêmio por final de Copa do Brasil e mata-mata de Brasileirão e o Palmeiras, por diversos confrontos lendários como mata-mata de Copa do Brasil e Libertadores, final de Copa dos Campeões, abertura do Allianz Arena e vitórias lá e lô e jogos polêmicos pela Séries A e B. Externamente o Náutico acumula mais dois insucessos em vínculos com entidades, como o Clube dos 13 e a Liga Forte Futebol, onde ou não consegue se filiar, ou não consegue o que deseja no acordo. E por diversos elementos, sua referência política (força ou fraqueza) fala muito do seu tamanho.

A rivalidade é um fator que forja grandeza. São Paulo e Santos são clubes imensos, mas o "selo" de 'O Jogo do Estado' que o clássico Corinthians x Palmeiras tem é digníssimo, algo parecido com Santa Cruz x Sport, que é de fato 'O clássico' de Pernambuco. E atualmente, meio a uma década, o Sport vem tendo de forma institucional e popular um grau de rivalidade maior com Bahia, Ceará e Fortaleza que com o Náutico e mesmo o Santa Cruz passando pela - na minha opinião - a pior fase de um clube tradicional no país, a rivalidade mexe com as duas maiores nações pernambucanas, com faixas provocativas em semanas de jogo pelo "galeto" e tudo.

Ao ler, ouvir e assistir muitas resenhas do clube nos últimos anos, em relação a jogos, contratações e outras ações, nota-se um exagero sustentado pela tese "a camisa do Náutico é maior que isso". O Náutico representa milhares de pessoas e só isso basta para uma forte cobrança, sem falar nos marcos do clube, mas sim, existe uma cobrança por mudanças e conquistas de algo que o clube nunca foi. O fato é que o Náutico possui uma enorme característica de inconstância, coadjuvância e selo "participei", isso mesmo, não é mais problema e sim característica, pois tornou-se uma marca. O clube que em seu suco histórico é um participante nacional (e deixou de ser desde a nacionalização dos torneios), espectador regional e coadjuvante estadual talvez deu aos olhos do seu povo uma ilusão. O Náutico, em sua média história (1901-2024) não é do tamanho que se fez entre 1963 e 1968, pior, possivelmente nem metade disso no futebol. E pra piorar, vive uma fase que depois de muito tempo volta a ser constante, mas essa constância é com a seta virada pra baixo.

Esse texto é fruto da problematização que o vídeo Nordestinado #1 - A ascensão do Fortaleza, do canal Click Esportivo me fez ter. É certo um clube ser considerado tradicional ou grande, e de ser cobrado por sua "camisa" com os dedos apontados pro seu auge, mesmo que ele seja instalado em apenas 9 dos 119 anos de futebol na instituição?

sexta-feira, 7 de julho de 2023

1968: O gol do Hexa alvirrubro e suas avalanches de efeitos pró Sport meio a política de bastidores

Em 1968, o Campeonato Pernambucano iniciava-se com fortes expectativas e um grau de importância imensa. O Sport que vinha de montagens de bons times e planos de reestruturação da Ilha do Retiro, buscava voltar a ser campeão estadual após alguns anos batendo na trave, enquanto o Náutico, em seu momento mais técnico e brilhante de toda sua história, almejava o sexto título consecutivo na competição, que estava muito longe de ser apenas o "galeto" como é atualmente.

Ramos marca o gol da glória do Náutico e do destino glorioso do... Sport.
Imagem: Arquivo/Diario de Pernambuco

Entre 1959 e 1968, foi disputada a Taça Brasil, uma competição nacional que reunia todos os campeões estaduais do ano anterior, contanto com representantes de todos estados filiados e dentro de um padrão de profissionalismo do futebol que a entidade máxima do país indicava. Em 1967, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Rio-São Paulo, passou a receber clubes de de RS, MG e PR, assim sendo chamado popularmente de "Robertão". O torneio foi um sucesso de público e financeiro, fazendo que a CBD passasse a oficializá-lo no calendário nacional oficial e organizando a competição, que antes era comandada pelas federações de São Paulo e da Guanabara. 1968 marcou o ano da transição do novo modelo de disputa das competições nacionais. A Taça Brasil teve sua última edição, dando espaço para três novos torneios, com disputas regionalizadas, foram elas, o Robertão (eixo Sul do país), Torneio Norte-Nordeste (eixo Norte do país) e o Torneio Centro-Sul (eixo central do país). Ou seja, foram constituídos espécies de Campeonatos Brasileiros por região, o do Norte, o do Centro e o do Sul do país.

A Federação Pernambucana de Futebol era a representante da CBD no Norte/Nordeste e tinha como presidente, uma figura de forte influência e poder de bastidores, Rubem Moreira. Já no estado da BA, o Esporte Clube Bahia contava com Osório Villas-Boas, político, inspetor policial e grande magnata eleitoral e futebolístico. A dupla entrou em guerra com a CBD para que PE e o Bahia participassem do Robertão, certame que vinha de um altíssimo status. Com possibilidade de boicotar o Torneio Norte-Nordeste e escancarar de vez pra todo o Brasil o quanto a CBD destratava todo o resto do país e valorizava apenas o eixo Sul, os cartolas mostraram suas armas contra os líderes paulistas e cariocas e acabaram conseguindo suas vagas. Em PE, haviam três clubes de massa e forte poderio, portanto, a FPF optou em indicar o seu representante através do título pernambucano, já na BA, como o Bahia era o grande dominante político do estado, criou-se uma "ditatura tricolor", com o clube disputando as três edições do Robertão, mesmo que não fosse campeão baiano, até mesmo quando nem vice-campeão era. Com três vagas para competições nacionais, a FPF decidiu optar por seu campeão estadual disputando o antigo Rio-São Paulo, enquanto o vice-campeão e terceiro colocado disputaria o Norte-Nordeste.

Iniciada a 54ª edição do Campeonato Pernambucano, o favoritismo era dividido entre leão e timbu, o primeiro que tinha um forte time e sempre chegava nas finais, além de contar com atletas que o exterior consultava, já o rival vinha de cinco títulos e era naturalmente um forte candidato. Contando com resquícios finais do time que brilhou no estado, região e país com Nado, Bita, Lala, Gena, Ivan e outros, a final seria disputada em melhor de pontos em dois jogos. O Náutico venceu a ida por 1 a 0 com gol de Ramos, que posteriormente viria a fazer o gol mais importante da história do Náutico para muitos alvirrubros. No jogo de volta, o clube da Rosa e Silva precisava apenas de um empate para fazer a volta olímpica na casa rival, mas os leões venceram por 3 a 2, obrigando a ocorrer a 'negra', termo como era chamada a última partida, que ganhava o status de 'melhor de três'.

Lance do PE 1968: Rato, hexa-campeão estadual e Gilson, campeão brasileiro do Norte posteriormente
Imagem: arquivo/Diario de Pernambuco

No dia 24 de Julho de 1968, num Aflitos abarrotado de alvirrubros, rubro-negros, tricolores e alviverdes (América), um 0 a 0 marcado por expulsões, muita técnica e até mesmo lesão do árbitro, a partida finalizou, indo para a prorrogação, onde aos 16 minutos, Ramos escora pra dentro com o pé direito após belo lançamento de Ede para a pequena área. Era o Náutico sagrando-se hexa-campeão pernambucano, feito único em toda história do estado e classificado para o Robertão, o Campeonato Brasileiro do Sul. E o Sport, que ficou com o vice, acompanhado do Santa Cruz, que completava o pódio, disputaria o Torneio Norte-Nordeste, o Campeonato Brasileiro do Norte.

Confira os detalhes daquela final e o gol de Ramos, o gol do Hexa e da classificação do Náutico para o Robertão e consequentemente do Sport para o Torneio Norte-Nordeste:


Dando sequência a temporada, os clubes se organizavam para as disputas dos torneios nacionais, os quais mesmo contanto com diferente questões financeiras e de status, possuíam a mesma finalidade de destino, com os campeões de cada uma delas se encontrando para disputar o Torneio dos Campeões da CBD, que seria definido o campeão brasileiro nacionalizado e o detentor da vaga para a Libertadores. Náutico e Santa Cruz fizeram campanhas modestas nos Campeonatos Brasileiros do Sul e do Norte, respectivamente, diferente do Sport, que transformou o gol de Ramos numa passagem de conquista para o seu primeiro título nacional.

Para entender mais o que foi o Campeonato Brasileiro do Norte e a metodologia da temporada nacional de 1968, leia o Guia do Dossiê para Unificação do Torneio Norte-Nordeste ao Brasileirão.

O time rubro-negro não conquistava um título desde 1962, temporada que levantou os troféus do Pernambucano e o inter-regional da Taça Norte e vinha de 4 vices em finais do estadual. Com fome de títulos, a equipe do ídolo Baixa, o talentoso uruguaio Henrique Câmpora e o artilheiro Fernando Lima encarou a competição com muita responsabilidade e sede ao pote. O Campeonato Brasileiro do Norte era constituído com duas chaves regionais, a Norte e a Nordeste, sendo cada uma delas valendo anexamente o título regional, similar a Copa Norte e a Copa do Nordeste hoje. Com direito a 14 vitórias em 18 jogos, o Sport liderou o seu grupo na primeira fase e foi o primeiro colocado no quadrangular final, conquistando o Nordeste após goleada no Clássico das Multidões por 4 a 1, numa Ilha do Retiro lotada e invadida pelos alegres torcedores. Na outra chave, o Remo sagrou-se campeão do Norte e classificado para a final. O Sport passou por cima, fazendo 3 a 1 em Belém e 2 a 1 no Recife, conquistando o seu primeiro título de expressão nacional, numa disputa inter-regional. E de novo com uma Ilha invadida pelos fanáticos, levantava um troféu da CBD, se sagrando campeão brasileiro do Norte e aguardando os demais campeões brasileiros do eixo Sul, Centro e do Torneio de Campeões Estaduais (antiga Taça Brasil) para disputar o título brasileiro máximo e a vaga para a Libertadores.

Pois bem, vejamos como o futebol é repleto de reviravoltas e destinos traçados. Um vice-campeonato deu ao Sport uma semente que traria como fruto um título nacional. Além disso, o alto preço de um poder político. O Náutico, que vinha de um vice da Taça Brasil e que disputou a Libertadores naquele mesmo ano, limitou-se seu futebol no Robertão e perdeu a chance de disputar um título mais factível, o qual não era fácil, pois o timbu disputou as edições do Torneio Norte-Nordeste de 1969 e 1970 e nem sequer chegou perto das finais, enquanto a falta de poder político do estado do CE fez que seus clubes, assim como o Sport, conquistassem títulos brasileiros do Norte. Durante anos, CE e PA brigavam ferrenhamente pela participação no Robertão, o que não ocorreu, assim, Ceará e Fortaleza disputaram as demais edições e fizeram o Náutico assistir o vozão ser campeão em 1969 e o tricolor vencedor em 1970. O Santa Cruz, que não foi bem na única edição do Norte-Nordeste que disputou, foi bicampeão pernambucano em 1969 e 1970, ganhando o direito de disputar o Robertão, porém, sem sucesso em campo.

Baixa, ídolo e lateral-direito do Sport em 1968 com o troféu do Brasileirão do Norte
Imagem: divulgação/Diario de Pernambuco

Mas o caso mais concreto e direto das consequências políticas foi no Bahia. Diferente do que muitos acham, o estado da BA não teve vaga no Robertão e sim o próprio EC Bahia. Se a CBD implementasse o mesmo modelo de PE para Federação Baiana, o representante baiano no Robertão de 1968 seria o Galícia, campeão do estadual que teve o Bahia como 4º colocado, atrás do Fluminense de Feira e do Vitória. Já em 1969, o representante seria o Fluminense de Feira. Nas três edições do Robertão, o Bahia acumulou eliminações, incluindo status de "saco de pancadas" e lanterna.

Esse detalhamento histórico sobre o processo político mostra como a decisão criteriosa da FPF faria que o gol de Ramos tivesse um valor muito além do Campeonato Pernambucano. O gol do Hexa, o gol do Luxo, o gol do Robertão pro timbu e o gol do título brasileiro do Norte para o leão.

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Qual a ação correta da CBF em reconhecer os títulos regionais pré-1994? Só oficializa ou também unifica?

Ter a sensação de ser campeão regional ou inter-regional é algo presente na vida dos torcedores norte-nordestinos há muitas décadas. Seja de forma oficial ou não oficial, reconhecida ou não reconhecida, seus valores existiram e existem até os dias atuais e tudo precisa ser nivelado e julgado com ferramentas imparciais e ideais, para não transformar, diminuir ou aumentar nada, mas sim pôr tudo em sua devida prateleira. O blog realizou um levantamento detalhado sobre os títulos regionais de Nordeste e Norte e inter-regionais do Norte-Nordeste, considerando todas as conquistas, seja oficiais, reconhecidas ou não reconhecidas e não oficiais, entre 1923 até a atualidade e agora opina sobre o que a CBF, clubes, torcedores e imprensa deveriam oficializar e tratar.

Sendo direto: sou contra unificação de títulos, pois uma coisa é valor, outra coisa são as "eras". Pegando o artigo criado pelo blog, vemos que entre 1946 e 1976 houve torneios que buscam o reconhecimento de títulos regionais do Nordeste para serem reconhecidos como Copa do Nordeste (1994-). Vamos simular um cenário onde todos esses certames são válidos e serão oficializados pela entidade. O que fazer? Bem, agora é onde entra a polêmica. Considerando os títulos do Sport Recife, eis a visão de como deveria ocorrer:

O leão é campeão da Copa do Nordeste por três oportunidades (1994, 2000 e 2014) e seria campeão do Torneio do Nordeste (anexo ao Torneio Norte-Nordeste) em duas (1968 e 1970). A CBF deveria reconhecer o Sport Recife como campeão regional do Nordeste em 1968 e 1970, dando a esses títulos o mesmo status dos demais, ou seja "campeão nordestino", porém sem unificar. A unificação seria a mesma coisa de dizer que o Sport venceu a Copa do Nordeste em 5 edições ou até mesmo que foi campeão do Torneio do Nordeste em 1968, 1970, 1994, 2000 e 2014, o que seria, de fato, errado. Os clubes, entidades e federações articularam diversos projetos para a criação de um Campeonato do Nordeste e de forma oficial ele começou em 1994, portanto, estamos falando da "era Copa do Nordeste", o produto que veio para fazer parte do calendário nacional do futebol, o auge, o teto de um torneio nordestino, nada comparado. Só é campeão da Copa do Nordeste os vencedores das edições disputadas deste torneio, desta era, deste período. E o que veio antes? Ai seria a "era pré-Copa do Nordeste" em que dentro dela teria outros diversos torneios que podem ter o mesmo status, porém sem ser a mesma 'coisa'. O status de "campeão do Nordeste" se aplica ao vencedor de um torneio que tinha como finalidade apontar o campeão regional da região Nordeste do Brasil, o que é disputado na Copa do Nordeste, e se era isso que também era disputado pré-1994, então deve-se ser reconhecido esse status.

Não unificar não é querer diminuir algo, muito pelo contrário, é querer valorizar os torneios. Cada conquista possui seu valor próprio, valor natural, não precisa ser misturado, pois além de avacalhar o atual, irá bagunçar a mais que centenária história do futebol brasileiro. Além disso, cada torneio possui o seu valor, inclusive muitos torneios de uma era pré-estabelecida pode ter um valor maior que a era atual e sempre que cito isso, uso como exemplo os títulos brasileiros do Esporte Clube Bahia. O tricolor possui dois títulos brasileiros, um em cada era, a "era Taça Brasil" e a "era Brasileirão". Oficialmente o Campeonato Brasileiro começou em 1971 e foi em 1988 que o Bahia venceu o seu único Brasileirão. Em 1959, os baianos conquistaram o título brasileiro no torneio Taça Brasil, que era pré-Brasileirão mas que pelo menos na minha opinião, possui um 'valor' maior que o brasileiro de 1988 e que é o maior título da história do futebol nordestino. O título de 1959 trouxe pioneirismo por um título nacional e participação na Libertadores, foi conquistado no palco da final de uma das mais lendárias Copa do Mundo e foi - "somente" - vencida sobre o Santos de Pelé. O nome é Taça Brasil, seu período é da "era pré-Brasileirão", então por que eu chamarei de Brasileirão 1959 ou listarei tudo como se fossem os mesmos torneios, de mesmas eras? Não precisa, pois isso só irá diminuir a Taça Brasil, como que fosse preciso ser comparada a outra coisa para ser 'grande', e lógico que não, ela nasceu grande e foi algo único e ao comparada a 1988, mesmo sendo torneios da mesma finalidade, - apontar o campeão brasileiro - o 'valor' que vejo em 1959 é maior. "Desenhando", como ficaria esses títulos nacionais do maior clube do nordeste: bicampeão brasileiro (1 Taça Brasil e 1 Brasileirão). Indo ainda mais além, como podemos classificar os títulos nacionais do Cruzeiro Esporte Clube? O clube é 10 vezes campeão nacional, sendo 4 títulos brasileiros (1 Taça Brasil e 3 Brasileirões) e 6 Copas do Brasil. Tudo fica mais justo. Inclusive, pro cabuloso, assim como pro Bahia fica ainda mais rico pra sua história saber que entre seus títulos brasileiros, houve conquistas em eras diferentes, isso carimba a tradição e longevidade de uma camisa pesada.

Voltando pro cenário nordestino, como seriam esses títulos do Sport Recife: 5 títulos nordestinos (1968, 1970, 1994, 2000 e 2014) - 2 Torneios do Nordeste (1968 e 1970) e 3 Copas do Nordeste (1994, 2000 e 2014). Em caso do rubro-negro conquistar uma nova edição do Nordestão, como podemos classificar? Que o clube é tetra-campeão da Copa do Nordeste e leva pra casa a sua 6ª conquista regional entre todas as eras. É tão justo quanto simples.

Se sou contra unificação de torneios diferentes com a mesma finalidade, imagine de torneios com finalidades diferentes. Uma coisa é ser campeão regional, outra é ser campeão inter-regional. No processo para oficialização dos títulos, muitos torneios inter-regionais Norte-Nordeste são envolvidos e daí cabe um debate para o âmbito entre regiões e não de uma só região. Apontando os títulos inter-regionais do Clube Náutico Capibaribe, vale o mesmo critério. São 5 títulos norte-nordestinos, sendo 3 Taças Norte, 1 Copa dos Campeões da Taça Norte e 1 Torneio dos Campeões do Norte-Nordeste. Não precisa juntar tudo e dizer "o Náutico possui 5 Copas Norte-Nordeste". Inclusive até mesmo a finalidade entre esses torneios eram diferentes, pois um deles apontaria o 'Supercampeão' do Norte (eixo Norte do Brasil), ao reunir os campeões de todas edições da Taça Norte para indicar o vencedor de uma espécie de 'Supercopa'.

Um grande exemplo de forma correta a seguir é como a Conmebol trata de forma oficial o título vascaíno do Campeonato Sul-Americano de Campeões de 1948. A entidade máxima do continente oficializou o valor do torneio, indicando que a finalidade do certame era anunciar o campeão da América do Sul, assim como a Libertadores nos dias atuais. Em momento algum a Conmebol chama de 'Libertadores de 1948', ou tratou a Libertadores de 1960 como a 2ª edição e não a 1ª. São torneios diferentes, mas que de fato, o Vasco da Gama é bicampeão sul-americano, contando com um título de cada competição. Em 1997, a edição da Supercopa da Libertadores, que reunia todos os clubes campeões da América do Sul, contou com o alvinegro por ser campeão do Sul-Americano em 1948, o que reforça ainda mais o seu 'valor'. O torneio acabou sendo ainda mais valorizado fora de São Januário e por jamais ter seu nome, listas, rankings ou aspectos em geral mexido, nunca foi apontado como 'forçação' ou 'fax'. É a história e sua continuidade sendo respeitada.

Tratando os títulos que o blog abordou, em caso de oficializações, imagine que a CBF cria uma Supercopa do Nordeste, ela contaria, por exemplo, com campeões regionais do Nordeste, seja da Copa do Nordeste ou não, diferente de uma Supercopa da Copa do Nordeste, essa que teria que reunir apenas os campeões do torneio de 1994 pra cá.

Dom Pedro II e Luiz Inácio Lula da Silva. Duas figuras que podemos apontar como chefes da nação brasileira, cada um chegando ao cargo por um caminho, seja nepotismo ou eleições, porém tendo a mesma finalidade: liderar o país. Um foi Imperador, o outro é Presidente. O que seria mais importante? Ser presidente, lógico, pois é de uma "era" constitucional, de soberania pública, todavia existiram ações do luso-brasileiro que foram mais marcantes e interessantes que muitas do pernambucano durante sua trajetória, isso prova que mesmo sendo de uma era/cargo diferente/menor/menos importante, o 'valor' pode ser maior. Não sei qual desses dois você gosta mais, qual dos dois você ver mais valor, qual "era" é mais importante pra você, qual possui mais peso diante da finalidade, mas se tem uma coisa que você não tem direito, é de chamar Dom Pedro II de Presidente ou Lula de Imperador.

sábado, 7 de janeiro de 2023

A subestimação de critérios relevantes no debate de quem é maior

"Meu time é melhor que o teu", "até time tal é maior que o teu". O futebol tem vários pilares e um dos seus melhores aspectos são as conversas de mesa de bar, aquelas onde o maior time do mundo sempre será o próprio e que independente do argumento, seja fato ou vazio, ninguém convence ninguém. O tema de quem é maior X ou Y apresenta muitas cartas pra cada baralho, porém existem umas que seriam coringas na jogada e que por diversas ou quase todas as vezes nunca são usadas, visto em muitos debates em redes sociais por torcedores e até mesmo por jornalistas e historiadores renomados.


Dando exemplo, no Nordeste existe aquela resenha de quem é o maior, Esporte Clube Bahia ou o Sport Club do Recife. No fundo é um debate subjetivo levando em conta pontos objetivos e sempre são apontados aqueles populares critérios: títulos, torcidas, estruturas, campanhas e números em competições nacionais e internacionais e confrontos diretos, contudo como posso deixar de lado pontos tão ou até mais relevantes que alguns tradicionais? Ainda usando o Superclássico do Nordeste, o Clássico da Imponência nordestino como exemplo, veja a quantidade de "cartas" que tricolores e rubro-negros deixam passar no dia a dia:

Tricolores:

- Já coloquei dois atletas em campo simultaneamente na era aberta da Seleção Brasileira
- O Ba-Vi foi o primeiro clássico do Nordeste a entrar no hall de Classic Football da FIFA
- Fui o primeiro e um dos dois únicos a vencer o Santos de Pelé em finais nacionais, antes mesmo do Cruzeiro de Tostão
- Venci as edições mais emblemáticas da Copa do Nordeste
- O GreNal é a maior rivalidade do país e eu fui vitorioso no último capítulo do embate conhecido como o maior do século
- Sou o primeiro campeão brasileiro da era elitizada do Campeonato Brasileiro
- Revelei o maior campeão da história desse esporte
- Fui o único clube fora do eixo Sul a participar de todas edições do Robertão por influência e peso no meu estado
- Fui um dos fundadores do Clube dos 13
- Ninguém teve mais artilheiros em competições nacionais no Nordeste que eu

Rubro-negros:

- Sou o único clube do Norte, Nordeste e Centro-Oeste a sediar uma Copa do Mundo
- Sou o único clube fora do G12 a ser premiado como Classic Club da FIFA
- Sou o único clube a revelar dois artilheiros de Copa do Mundo e revelei o maior artilheiro sul-americano em uma edição de mundial
- Fui o primeiro clube fora do eixo RJ-SP a participar da International Soccer League
- Sou o líder em convocações para a Seleção Brasileira seja na era geral ou era aberta
- Somos o 6º clube do mundo, 3º do continente e único norte-nordestino a vencer o FIFA Fan Awards
- Sou o clube que mais disputou finais nacionais de torneios diferentes (Brasileirão, Copa do Brasil e Copa dos Campeões)
- Meu treinador já foi comandante da Seleção Brasileira simultaneamente
- Sou o único campeão da Copa do Brasil fora do eixo Sul
- Fui o primeiro clube do Nordeste a ser campeão em todas as 4 esferas do país (estadual, regional, inter-regional e nacional)
- Foi um atleta do meu time que fez o gol mais rápido da história da Seleção Brasileira

Esses e tantos outros apontamentos são importantes para dois grandes fatores: forjar instituição e torcedores e alimentar a tradição e continuidade nacional de seu clube.

O futebol brasileiro está caminhando para completar 100 anos de profissionalismo e já possui mais de um século em disputas. Como podemos ignorar que os feitos e marcas do passado e envolvendo todos os detalhes não são primordiais para a grandeza de um clube? Outro ponto também muito relevante é que pra medir a diferenças de clubes não são somente os pontos positivos, mas os negativos. E um dos grandes exemplos nacionais dessa mistura é a Associação Atlética Ponte Preta. A macaca não possui títulos tradicionais em sua história e isso é um imenso agravante, todavia você não acha justo apontar como uma instituição que forjou o poder do Brasil para o mundo quando se vê que a Seleção já disputou 2 Copas do Mundo com 5 atletas alvinegros? Quantas vezes essa "carta" é jogada na mesa? E o que dizer da Associação Portuguesa de Desportos? Um dos maiores clubes do país no inicio do século 20 e que era sempre uma das grandes potências do Torneio Rio-São Paulo na época em que o certame tinha status de Campeonato Brasileiro.

No Nordeste vemos o atual crescimento do futebol cearense, com algumas marcas pioneiras e que não costumam serem populares em todo esse tempo, como G4 nacional e participações em Libertadores. Esses pontos fazem que parte da torcida do Fortaleza Esporte Clube e da imprensa, em especial a alencarina frisarem que o clube já é maior que Ceará, Náutico, Santa Cruz e Vitória, além de que o futebol cearense já ultrapassou ou está próximo de ultrapassar Pernambuco. Seja no debate entre os clubes ou entre os estados, existem muitos pontos que também são desconsiderados e que são muito maiores do que outros mais falados.

Como posso deixar passar que o trio de ferro do Recife dos anos 1940 aos anos 1990 criaram, bancaram, idealizaram e batalharam por torneios de cunhos regionais como as competições de 1948, 1951, 1952 e a tentativa da volta do Torneio Norte-Nordeste em 1980? Lembrando que a Copa do Nordeste é um dos fatores para a reintegração nacional de Alagoas e Ceará, essa que foi uma batalha política com Bahia e Pernambuco tendo as principais armas e influencias para sua sobrevivência entre o final do século 20 e inicio do 21. Como posso deixar de falar nas convocações para a seleção brasileira que Bahia, Náutico, Santa Cruz, Sport e Vitória acumulam? Ou vamos fingir que isso não molda nacionalmente? Que isso não forja clubes, torcidas e olhares da imprensa para aquele clube ou eixo? E no debate entre centros, o que falar de Bahia e Pernambuco terem sido as únicas federações fora do eixo Sul a disputar o Robertão e a sustentar a já baixa "dignidade" do Torneio Norte-Nordeste (1968-70)? E o que dizer dos estados que representaram a Seleção Brasileira? Com destaque para Pernambuco que disputou de forma oficial, ficando em 3º lugar na Copa América de 1959, atrás apenas de Uruguai e Argentina. Então fica claro que é subestimado muitos fatores que de fato sustentam pra hoje estarmos aqui podendo debater, pois se não fosse todos esses pontos abordados pelo blog, era muito possível que os pontos objetivos mais populares e citados nem tivessem existidos. Bahia e Sport foram campeões nacionais em 1959, 1987, 1988 e 2008 não apenas por terem bons times num certo torneio, atrás disso houve uma construção institucional vinda de pioneirismos, marcas e feitos em excursões e tantos outros aspectos impopulares que elevam a região e refletindo em rivais. Quando se fala em grandeza no Nordeste, logo se aponta para a dupla campeã elitizada, e isso é justo, mas talvez esse não aprofundamento de tanto outros pontos magníficos além das taças façam os seus próprios torcedores não enxergarem as ainda mais longevas grandezas dos clubes.

Indo para o Centro-Oeste, o Goiás Esporte Clube é apontado por seus imensos vices-campeonatos e selo de elite. Ok, isso já é grandioso, mas o clube tem seu poder de mercado, de revelações e de furar a bolha de torcidas corintiana e flamenguista para se tornar popular e quase um sinônimo de futebol no estado de Goiás, assim como o Bahia na Bahia. Quantas vezes tivemos esse olhar para o esmeraldino?

E no Rio de Janeiro? O que é o Botafogo? Um time bicampeão brasileiro, campeão da Copa Conmebol, com a menor torcida entre os grandes e com forte ligação com a Seleção em mundiais, mas só isso? O brilhantismo do Botafogo em seu auge formou um sentimento de Zico para que em jogos do Flamengo contra a estrela solitária fizessem o ex-meia ter mais fôlego e motivação para mostrar o seu melhor. Isso flamenguista, vai chamando o alvinegro de "irrelevante" e deixando de lado que o conceito de brilhos e glórias na mente do teu maior ídolo, que se deixou influenciar humana e futebolisticamente de forma positiva, nasceu pelos caminhos de Garrincha e companhia. Para Zico, o Botafogo foi o maior rival em sua vida como torcedor e devolver placares elásticos eram metas pessoais.

Quando se trata sobre o "Maior", deve-se apontar e nivelar todos aspectos, de todas épocas, contextos, positivos, negativos, ou seja, de forma literal a palavra 'tudo'. Assim como o Sport elevou a logística nordestina realizando viagens a carvão e não mais a lenha, assim como o Ceará que conquistou os torneios metropolitanos e forjou o sentimento de liderança, de imponência, isso são fontes de grandeza. Não é soberba, não é poeira, é criação de chão, de pista, de estrutura no ontem para que hoje você possa passar por cima. Não podemos confundir "melhor" com "maior" e nem esquecer que o tudo é maior e mais pesado do que o inicio de sua vida esportiva como profissional e/ou torcedor.